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A batalha entre o ensino tradicional e a distração digital, como o celular: o desafio das salas de aula atuais

O artigo Distrações Digitais com Influência dos Colegas: O Impacto do Uso de Aplicativos Móveis nos Resultados Acadêmicos e de Mercado de Trabalho, de título original em inglês, que descobri a partir de um texto de Guilherme Cinta (obrigado, Guilherme!) examina os efeitos do uso de aplicativos móveis, especialmente jogos, entre estudantes universitários na China. Para quem desejar se aprofundar, o título original está logo abaixo.


Ilustração de uma sala de aula brasileira com estudantes usando celulares e o professor ensinando no quadro negro, sem a presença da bandeira do Brasil.
Alunos distraídos ou sistema de ensino ultrapassado? Eis a questão
BARWICK, Panle Jia; CHEN, Siyu; FU, Chao; LI, Teng. Digital distractions with peer influence: the impact of mobile app usage on academic and labor market outcomes. Cambridge, MA: National Bureau of Economic Research, 2024. (NBER Working Paper Series, No. 33054).


É fato que este debate está fervendo. E não temos como negar que é realmente incoveniente para qualquer educador o estado atual de vários alunos com celulares na mão perguntando "O que foi mesmo, professor? Cai na prova?" É sobre isso que este artigo acima veio se debruçar. Seguem os principais pontos que levantei sobre o artigo:


Uso de aplicativos móveis e influência dos colegas: o uso de aplicativos móveis é contagioso entre os colegas. Um aumento de 1 desvio padrão (d.p.) no uso de aplicativos dos colegas de quarto leva a um aumento de 4,4% no uso do próprio estudante. Esse efeito de influência é principalmente comportamental, ou seja, as ações dos colegas (em vez de seus traços de personalidade) afetam diretamente os outros.


Impacto negativo no desempenho acadêmico: um aumento de 1 d.p. no uso de aplicativos reduz as notas dos alunos (GPA) em 36,2% de um desvio padrão dentro de um grupo de colegas. O uso de aplicativos pelos colegas de quarto resulta em uma redução de 20,6% nas notas, tanto de forma direta quanto por meio do contágio comportamental.


Resultados no mercado de trabalho: o aumento do uso de aplicativos afeta negativamente os resultados no mercado de trabalho. Um aumento de 1 d.p. no uso de aplicativos móveis leva a uma redução de 2,3% nos salários ao se formar, com os efeitos dos colegas também contribuindo para a queda salarial.


Implicações de política: o estudo sugere que a extensão da política de restrição de jogos da China (que limita os menores a 3 horas de jogos por semana) para os estudantes universitários resultaria em um aumento de 0,7% nos salários após a graduação.


Mecanismos: o principal mecanismo por trás desses efeitos é a substituição de tempo. O uso excessivo de aplicativos desloca o tempo dedicado ao estudo em bibliotecas, resultando em mais faltas e atrasos nas aulas. Os usuários mais intensos de aplicativos também relataram pior saúde física e mental, enviaram menos candidaturas de emprego e estavam menos satisfeitos com as ofertas de trabalho recebidas.

Esses resultados destacam as implicações mais amplas do uso de aplicativos móveis, especialmente entre jovens adultos, sobre os resultados educacionais e de mercado de trabalho.



Ilustração realista de uma sala de aula no Brasil, com diversidade racial e étnica, estudantes utilizando smartphones e laptops, enquanto um professor brasileiro ensina com métodos tradicionais. Pais entregam celulares às crianças, destacando a delegação da educação familiar para as escolas.
Celular é vilão ou herói? É boa ou má tecnologia? Eis mais uma questão.


AFINAL, O CELULAR É REALMENTE O VILÃO?


O artigo Distrações Digitais com Influência dos Colegas apresenta um cenário bem elaborado sobre o impacto do uso de aplicativos móveis entre estudantes, concluindo que o uso de celulares, especialmente para jogos, é contagioso e leva a reduções substanciais no desempenho acadêmico e nas perspectivas salariais futuras. A solução sugerida? Banir celulares sem fins pedagógicos e, ao mesmo tempo, investir em infraestrutura digital para fins educacionais.


No entanto, enquanto o estudo busca apontar o problema nos dispositivos e seus efeitos contagiosos, há um ponto crucial que o artigo ignora:


a verdadeira falha não está nos dispositivos, mas no ambiente educacional ultrapassado e na abordagem superficial sobre o papel da educação.

Criticar o uso de celulares como o grande vilão da educação moderna é a saída mais fácil e, talvez, a mais conveniente para quem prefere não questionar a fundo as raízes do problema. A pesquisa é valiosa em seu método e traz uma contribuição importante ao debate, mas é apenas um pedaço de um quebra-cabeça muito mais complexo. A ciência avança com debates e críticas. É fundamental que essas questões sejam colocadas sob a lente crítica. No entanto, aqui estamos diante de uma inversão perigosa de responsabilidades.


O problema real vai além de meros dispositivos tecnológicos: ele reside na metodologia de ensino defasada e na falta de preparo dos professores para lidar com uma geração de alunos que estão imersos em uma realidade digital e emocional completamente diferente.

As escolas, que deveriam ser o espaço de transformação e de desenvolvimento crítico, ainda operam sob métodos que não dialogam com as novas necessidades cognitivas dos alunos.


Professores mal preparados, sobrecarregados e com formação deficiente são jogados em um campo de batalha em que a dopamina vinda dos celulares já "dopou" os estudantes antes mesmo que eles entrem na sala de aula.

E essa dopamina não vem apenas dos aplicativos de jogos, mas da própria dinâmica familiar, em que a educação é terceirizada para a tecnologia. Famílias entregam celulares nas mãos das crianças e adolescentes como babás digitais, terceirizando o papel de educar.


Quando os resultados acadêmicos não aparecem, a culpa recai, convenientemente, sobre os dispositivos, os aplicativos ou a internet - jamais sobre o modelo familiar que falhou em criar hábitos saudáveis de estudo, crítica e autocontrole.


No artigo, os autores defendem que o aumento no uso de celulares por colegas de quarto contamina os outros estudantes e leva a uma redução no tempo de estudo. A solução proposta? De novo: banir os celulares das escolas e universidades.


Banir os celulares seria simplesmente tapar o sol com a peneira. Seria ignorar que esses jovens já chegam ao ambiente educacional "dopados" por uma rotina doméstica que os condiciona a buscar estímulos rápidos e fáceis.

O que se faz necessário não é proibir os celulares, mas reconfigurar todo o ambiente de aprendizado para que ele faça sentido na vida desses estudantes, resgatando o interesse pela reflexão crítica e pelo conhecimento.


A solução não é o banimento do celular, mas a transformação do modelo pedagógico. Como podemos esperar que os alunos passem menos tempo em aplicativos de jogos se as aulas continuam sendo um monólogo cansativo, preso a livros didáticos que não conversam com a realidade digital dos estudantes?


A questão central está na falta de políticas públicas e privadas voltadas para uma reforma massiva no sistema educacional, com foco em capacitação de professores, inovação metodológica e integração crítica da tecnologia nas salas de aula. Não adianta criar muros contra a tecnologia. Ela está aqui. É parte da realidade dos alunos. O desafio é integrar essa tecnologia de forma consciente, crítica e pedagógica.


Se os dados demonstram que o aumento do uso do celular de um colega de quarto leva a uma redução nas notas, isso deveria acender um alerta não para proibições, mas para a qualidade do ensino.

Se a aula fosse atraente e conectada à realidade digital dos alunos, talvez o celular fosse uma ferramenta de apoio, não uma distração. O problema real é que estamos insistindo em metodologias arcaicas, enquanto os estudantes buscam, fora da escola, os estímulos que o ambiente educacional não lhes oferece.


Além disso, o artigo falha em questionar a dinâmica social que entrega esses alunos já saturados de estímulos digitais.

A crítica precisa ser estendida ao papel das famílias, que, por conveniência ou desespero, colocam os filhos diante de telas desde a infância, criando uma relação de dependência.


Quando esses jovens chegam à universidade, por exemplo, já não têm o costume de focar em atividades que exigem mais tempo de reflexão.


Isso é uma falha social, que não pode ser atribuída exclusivamente aos celulares, mas à falta de um suporte adequado para as famílias e de políticas públicas que preparem melhor tanto pais quanto educadores.

A verdadeira conclusão que deveríamos tirar desse estudo não é que os celulares são os culpados, mas que o sistema educacional falha ao não acompanhar a evolução das necessidades cognitivas e emocionais dos estudantes. Sem uma transformação profunda nos métodos de ensino e uma valorização real da formação docente, continuaremos culpando os celulares e os aplicativos pelos problemas que, na verdade, são reflexo de um modelo de ensino em ruínas e de uma sociedade que terceirizou sua responsabilidade.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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COLLIS, Avinash; EGGERS, Felix. Effects of restricting social media usage on wellbeing and performance: a randomized control trial among students. PLoS One, v. 17, n. 8, p. e0272416, 2022.


DEHAENE, Stanislas. Como Aprendemos: Por que os cérebros aprendem melhor do que qualquer máquina... por enquanto. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.


FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.


HUNT, Melissa G.; MARX, Rachel; LIPSON, Courtney; YOUNG, Jordyn. No more FOMO: Limiting social media decreases loneliness and depression. Journal of Social and Clinical Psychology, v. 37, n. 10, p. 751-768, 2018.


LAGAKOS, David; WUTZ, Abigail; AGUILAR, Alejandra. Human capital, experience, and the distribution of wages: evidence from developing countries. Journal of Political Economy, v. 127, n. 6, p. 2539-2587, 2019.


MORIN, Edgar. A Cabeça Bem-Feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 20. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2021.


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