Como a autoajuda alimenta o ódio e impulsiona políticos e celebridades: a verdade por trás do sucesso - uma análise do artigo de Álvaro Machado Dias
- W. Gabriel de Oliveira
- 8 de out. de 2024
- 6 min de leitura
Li um texto excelente de Alvaro Machado Dias. Esse seu texto trouxe vários insights que precisam de uma explicação básica para que norteie todos que desejam aprofundá-lo. É o que buscarei fazer aqui. Segue.
O texto de Álvaro Machado Dias aborda o impacto da autoajuda na formação de comportamentos ressentidos e violentos em jovens adultos, explorando como esses indivíduos podem ser influenciados por autores que reforçam um senso distorcido de autossuficiência. Ele descreve:
“Aquela criança tímida da infância de repente se tornou um adolescente deprimido e ensimesmado […] De repente experimenta uma conversão à entrada da vida adulta. O que antes era timidez ganha uma confiança petulante. Quase uma arrogância.”
Essa passagem descreve o desenvolvimento de uma identidade frágil que, ao tentar superar a timidez e o fracasso, se transforma em uma postura arrogante. Isso pode ser compreendido à luz da Teoria do Desenvolvimento Psicossocial de Erik Erikson (1950), que explica a crise da adolescência como um período de busca de identidade. O fracasso em integrar uma identidade coesa pode resultar em confusão de papéis ou, como no caso descrito por Álvaro Machado Dias, uma identidade superficial e agressiva, na qual a autoajuda apenas reforça uma falsa confiança. Segundo Erikson, essa transição mal resolvida pode resultar em adultos inseguros, que camuflam sua insegurança com comportamentos extremos e autodepreciativos.
Outro ponto importante do texto é quando Álvaro menciona:
“Os suportes emocionais para o salto estão na pilha de livros e palestras de youtube que passou a consumir nas horas vagas (e são muitas) […] Um conjunto, enfim, de pessoas dotadas de autoestima elevada e que jamais escondeu o desprezo por quem não é da turma.”
Esse trecho revela a dinâmica de ressentimento que, conforme discutido por Max Scheler (1915), é uma resposta emocional à percepção de injustiça, na qual o indivíduo se vê incapaz de alcançar o status social desejado. Scheler argumenta que o ressentimento nasce quando há um desejo de sucesso que não pode ser satisfeito, o que leva à busca por culpados externos. No contexto do texto de Álvaro, a autoajuda muitas vezes contribui para esse ressentimento, pois reforça a ideia de que o fracasso é culpa dos "outros" (feministas, sociedade etc.), em vez de uma questão interna.
Finalmente, quando Álvaro menciona que “livros que ensinam a ser ‘foda’ não têm garantia de sucesso”, ele sugere que a promessa de autoaperfeiçoamento muitas vezes resulta em frustração. Essa frustração está alinhada com o conceito de Masculinidade Hegemônica discutido por Raewyn Connell (1995), que explica como o modelo cultural de masculinidade dominante pressiona os homens a serem sempre bem-sucedidos, competitivos e fortes. Quando esses homens não atingem essas expectativas, eles reagem com raiva e ressentimento, muitas vezes buscando refúgio em ideologias que culpam outras pessoas ou grupos pelos seus fracassos.
Álvaro também menciona a transição para “verdadeiros cânticos de guerra” entre esses jovens, explicando que a autoajuda inicialmente atua como um mediador transitório, conforme apontado pelo teórico Fredric Jameson. Nesse ponto, a influência da autoajuda é substituída por discursos de ódio e ideologias extremistas que oferecem um falso sentimento de poder e pertencimento. Isso explica como esses jovens, ao invés de crescerem emocionalmente, se tornam alvos fáceis para líderes populistas que canalizam suas frustrações em ações agressivas.

SEGUEM ALGUMAS DAS TEORIAS QUE PODEM SER APROFUNDADAS A PARTIR DO TEXTO DE ALVARO DE MACHADO DIAS
Conforme citado, o texto de Álvaro Machado Dias aborda a transformação de jovens introvertidos em adultos revoltados por meio de teorias e práticas de autoajuda, destacando como o ressentimento é manipulado por autores como Jordan Peterson. A partir desse contexto, é possível analisar teorias psicológicas que explicam a formação de identidade e comportamento social. Seguem algumas dessas teorias para quem deseja aprofundar:
1. Teoria do Desenvolvimento Psicossexual (Sigmund Freud, 1905): a teoria de Freud postula que a personalidade é moldada por experiências na infância. E que conflitos não resolvidos em estágios de desenvolvimento (oral, anal, fálico, latência e genital) podem resultar em fixações e traços de personalidade. A repressão de desejos e a busca por aceitação social destacadas no texto remetem a esses conflitos internos e à formação de um superego rígido (Freud, 1905).
2. Teoria do Desenvolvimento Psicossocial (Erik Erikson, 1950): Erikson introduziu a ideia de que o desenvolvimento do ego se dá em oito estágios ao longo da vida. No estágio de "Identidade vs. Confusão de Papéis" (adolescência), a busca por identidade e o risco de confusão de papéis se destacam. O texto aponta para uma falha nesse estágio, no qual a pressão social para ser bem-sucedido leva à formação de identidades frágeis e a posterior radicalização (Erikson, 1950).
3. Teoria do Ressentimento (Max Scheler, 1915): Scheler definiu ressentimento como uma emoção reprimida que surge quando um indivíduo se sente injustiçado. Ele discutiu como esse sentimento pode ser direcionado para culpar grupos ou ideologias. O texto reflete essa teoria ao explorar como os jovens frustrados pela falta de êxito pessoal se voltam para movimentos reacionários e encontram validação ao culpar minorias (Scheler, 1915).
4. Teoria do Agenciamento Masculino (Raewyn Connell, 1995): Connell desenvolveu o conceito de "masculinidade hegemônica", no qual padrões culturais de masculinidade são usados para manter dominação. A ideia de que os homens devem ser assertivos e ter controle sobre as situações é destacada no texto como uma pressão que transforma a busca por autoaperfeiçoamento em frustração e, eventualmente, agressividade (Connell, 1995).
Assim, o artigo de Álvaro Machado Dias explica como a literatura de autoajuda, ao invés de promover crescimento pessoal saudável, pode fortalecer sentimentos de ódio e ressentimento entre jovens que se sentem marginalizados. A jornada do "menino tímido" que busca autoaperfeiçoamento e encontra na autoajuda uma identidade superficial, que, ao falhar em alcançar os objetivos prometidos, torna-se terreno fértil para discursos de ódio e violência. Ao conectar com as teorias de Freud, Erikson, Scheler e Connell, o texto mostra que a promessa de "ascensão pessoal" não cumpre sua função. Ao invés disso, gera uma identidade frágil, dependente de validação externa e sensível ao fracasso. Essa dinâmica resulta em uma escalada para discursos de ódio e radicalização como forma de compensar o vazio deixado pela falta de resultados concretos.
A SEMELHANÇA COM A ASCENÇÃO DE POLÍTICOS E CELEBRIDADAES DE AUTOAJUDA NOS TEMPOS ATUAIS
É ato que Álvaro Machado Dias, de forma incisiva - na minha opinião -, aponta a relação direta entre a autoajuda e a ascensão de discursos populistas e celebridades que exploram o ressentimento.
Por isso, a pergunta que ele faz “Não parece familiar?” no final do texto não é mero acaso. Ele sugere uma conexão com o crescimento meteórico de figuras públicas que, nos últimos anos, usaram o discurso de autossuficiência e superação pessoal para manipular massas. Políticos e influenciadores se apropriam dessa narrativa para angariar eleitores e seguidores, vendendo soluções fáceis e superficiais para questões complexas, enquanto alimentam o ego e o ódio de seus públicos.
De forma inteligente e até literária, a crítica de Álvaro vai além, ao expor a falta de criticidade dessas massas, que, em sua frustração, acabam cegas às questões mais profundas, como a manipulação por algoritmos de grandes empresas de tecnologia e a negação das verdadeiras causas de seus problemas. A ironia de "soluções rápidas" para problemas sociais profundos é que elas frequentemente evitam a autocrítica e desviam o foco para bodes expiatórios, exatamente como essas figuras públicas incentivam. A ausência de uma visão aprofundada sobre formação humana e a tendência de culpar grupos oprimidos ou minorias pela própria inércia é o que fortalece esses movimentos. Big Techs amplificam essa lógica, promovendo conteúdo que alimenta a polarização e o radicalismo.
Com uma linguagem literária afiada, Álvaro desmonta as promessas vazias da autoajuda, destacando que ela, no fim das contas, serve apenas para reforçar a frustração, o ressentimento e o ódio.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREUD, S. Three Essays on the Theory of Sexuality. 1. ed. New York: Basic Books, 1905.
ERIKSON, E. Childhood and Society. 1. ed. New York: Norton, 1950.
SCHELER, M. Ressentiment. 1. ed. Marquette: Marquette University Press, 1915.
CONNELL, R. W. Masculinities. 1. ed. Berkeley: University of California Press, 1995.
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