Datacenters: a possível ilusão da geração de empregos - possível, mas não impossível - e o que realmente pode impulsionar o crescimento econômico
- W. Gabriel de Oliveira
- 26 de out. de 2024
- 4 min de leitura

A expectativa de que a instalação de datacenters resultaria em uma ampla geração de empregos é uma crença equivocada que se consolidou em diversos debates sobre desenvolvimento econômico e tecnológico. Embora a presença de datacenters seja fundamental para a infraestrutura digital de uma região, sua contribuição direta para o mercado de trabalho local é extremamente limitada. Essa limitação ocorre devido à alta automação e à natureza especializada das operações envolvidas, conforme evidenciado em estudos recentes sobre o impacto econômico de datacenters.
Uma vez li no jornal que Charles Boris, CEO da Lanlink Informática, argumentando corretíssimo que seria uma grande ilusão de que a simples instalação de datacenters transformaria o setor de tecnologia, tendo em vista que podem ser simplesmente uma grande estrutura com grande consumo de energia e pouca geração de empregos diretos. Charles Boris está certo, principalmente quando diz que estado e prefeitura deveriam focar em contrapartidas, aproveitando a infraestrutura de cabos submarinos e energia renovável para criar um ecossistema local forte. E que o foco deveria gerar empregos e outras soluções.
A afirmação de que datacenters criam um número significativo de empregos diretos pode ser desmistificada por diversos especialistas. Segundo Katz (2010), datacenters são intensivos em capital, mas pouco intensivos em trabalho, demandando apenas algumas dezenas de funcionários para sua operação. Esses trabalhadores são, em sua maioria, altamente qualificados, como engenheiros de rede, técnicos de manutenção e profissionais de segurança e frequentemente necessitam de formação especializada, o que restringe a oferta de vagas para a população local. Katz argumenta que o impacto econômico real de um datacenter reside mais na sua capacidade de facilitar a inovação tecnológica e promover a criação de ecossistemas tecnológicos do que na geração direta de postos de trabalho.

Além disso, segundo o Uptime Institute (2019), em um datacenter de grande porte, o número médio de empregos diretos varia entre 30 e 50, dependendo da sua complexidade operacional. Esses números contrastam fortemente com setores que realmente impulsionam o emprego em massa, como a indústria de serviços, comércio e turismo. A questão é que, embora um datacenter tenha a capacidade de impulsionar o desenvolvimento tecnológico, ele não oferece, por si só, uma solução imediata para a geração de empregos, especialmente em áreas que carecem de mão de obra especializada.
O economista Richard Baldwin (2019) reforça essa visão ao discutir o impacto da automação e da digitalização no mercado de trabalho. Para Baldwin, a automação dos processos digitais, como ocorre em datacenters, tende a eliminar a necessidade de trabalhadores manuais em favor de operações controladas por softwares e sistemas automatizados. A lógica aplicada aos datacenters é a mesma: a tecnologia permite a maximização da eficiência com um número mínimo de trabalhadores.
Contrapartidas e Desenvolvimento Sustentável
Se a criação de empregos diretos é limitada, como pode um datacenter realmente contribuir para o desenvolvimento econômico? De acordo com Porter (1998), para que uma infraestrutura tecnológica como um datacenter gere valor econômico de forma sustentável, é necessário que ela esteja integrada a um ecossistema de inovação e competitividade local. Isso significa que o desenvolvimento de um datacenter deve ser acompanhado por políticas públicas que estimulem a formação de um cluster tecnológico. No caso de Fortaleza, a presença de cabos submarinos de fibra óptica pode ser uma vantagem competitiva, mas o Estado e o município precisam exigir contrapartidas das empresas que se instalarem na região.
Essas contrapartidas podem incluir programas de capacitação profissional, parcerias com universidades e centros de pesquisa locais. Isso além de incentivos ao desenvolvimento de tecnologias sustentáveis, aproveitando o potencial da energia renovável, como sugere Boris (2024). Dessa forma, o datacenter se tornaria parte de um esforço maior para fomentar a inovação local, criando um ambiente propício à exportação de serviços e soluções tecnológicas.

Requalificação Urbana e Impacto Econômico Local
Além do aspecto tecnológico, é crucial considerar o impacto urbanístico e social que a instalação de datacenters pode ter. Como observado por Florida (2003), a requalificação urbana voltada para o bem-estar da população e o turismo pode ter um impacto econômico muito mais significativo do que a simples instalação de infraestruturas tecnológicas. Fortaleza, com seu potencial turístico e localização estratégica, poderia integrar os datacenters em um plano maior de requalificação urbana, voltado para a melhoria da qualidade de vida e o fortalecimento da economia local. Nesse contexto, o datacenter seria apenas um componente de uma estratégia de desenvolvimento mais ampla e diversificada, não o único.
Portanto, acreditar que a simples instalação de datacenters será suficiente para transformar a economia local é um equívoco. A criação de empregos diretos por essas instalações é limitada. Sua verdadeira contribuição econômica depende de uma integração inteligente com outras iniciativas de desenvolvimento urbano, social e tecnológico. Para que um datacenter faça parte de um plano sustentável de crescimento, é essencial que haja investimentos em formação profissional, inovação tecnológica e políticas de contrapartida que gerem valor real para a economia local.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BALDWIN, Richard. The Globotics Upheaval: Globalization, Robotics, and the Future of Work. New York: Oxford University Press, 2019.
BLOOMBERG LINEA. Como a inteligência artificial gerou uma demanda inesperada para o setor de gasodutos. Disponível em: https://www.bloomberglinea.com.br/2024/03/12/como-a-inteligencia-artificial-gerou-uma-demanda-inesperada-para-o-setor-de-gasodutos/. Acesso em 24 de outubro de 2024.
FLORIDA, Richard. The Rise of the Creative Class: And How It’s Transforming Work, Leisure, Community and Everyday Life. New York: Basic Books, 2003.
KATZ, Raul. The Impact of Broadband on the Economy: Research to Date and Policy Issues. Geneva: ITU, 2010. Disponível em: https://www.itu.int/ITU-D/treg/broadband/ITU-BB-Reports_Impact-of-Broadband-on-the-Economy.pdf. Acesso em 24 de outubro de 2024.
PORTER, Michael. Clusters and the New Economics of Competition. Harvard Business Review, 1998.
UPTIME INSTITUTE. Global Data Center Survey. 2019. Disponível em https://uptimeinstitute.com/research-reports/global-data-center-survey-2019. Acesso em 24 de outubro de 2024.
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