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Músicas feitas por IA ou fraude milionária? O verdadeiro escândalo por trás dos bots que enganam o streaming


Robôs manipulando plataformas de streaming de música, enquanto músicos tocam instrumentos ao fundo, simbolizando o conflito entre fraudes tecnológicas e a criação musical autêntica
Contraste entre músicos autênticos e o uso fraudulento de bots para inflar números de streaming em plataformas como Spotify, Apple Music e Amazon Music. Robôs manipulam os streams, enquanto músicos reais continuam a tocar, representando o valor da criatividade genuína: o uso inadequado da tecnologia na indústria musical, destacando a ética por trás do uso da IA


A prisão recente de Michael Smith, acusado de fraudar serviços de streaming ao usar bots para inflar artificialmente os números de músicas geradas com auxílio da IA, acendeu um debate necessário, mas muitas vezes mal orientado, sobre o papel da inteligência artificial na produção musical. O que deveria ser um caso claro de fraude comercial acabou gerando manchetes superficiais que apontam a IA como a vilã, alimentando um discurso míope e desinformado. A imprensa, em muitos casos, tratou o uso da IA como o ponto problemático, quando na verdade o verdadeiro crime está na manipulação das plataformas de streaming por meio de bots automáticos para interações fakes.


Essa narrativa mal construída reflete um problema maior: a superficialidade com que muitas notícias são abordadas hoje. A cobertura midiática prioriza cliques rápidos e manchetes sensacionalistas em detrimento da análise crítica e informada. Assim, em vez de focar no uso de bots para fraudar sistemas, a atenção foi desviada para o uso da IA na criação musical, uma prática que, longe de ser criminosa, tem contribuído para o desenvolvimento da indústria musical há anos.


A verdadeira questão: bots e fraude, não IA


O problema aqui é claro e não tem nada a ver com as músicas criadas por IA, mas com a maneira antiética de manipular os sistemas de streaming. Michael Smith usou bots para gerar bilhões de streams falsos, engordando seu faturamento com royalties que deveriam ser destinados a músicos cujas obras foram legitimamente ouvidas. A fraude consistia em criar milhares de contas falsas em plataformas como Spotify, Apple Music e Amazon Music, programando essas contas para "tocar" suas músicas repetidamente (Engadget, 2024; Justice, 2024). Isso é um claro exemplo de abuso de tecnologia, mas não do uso da IA em si.


O uso de inteligência artificial para auxiliar na produção de músicas é uma prática válida e reconhecida. A IA pode ajudar na criação de melodias, harmonias e até na estruturação de canções, mas não substitui o fator humano da criação artística. Grandes compositores e músicos usam IA como ferramenta criativa, assim como antes usavam sintetizadores, plugins e outras tecnologias. O problema não é a IA, mas sim a tentativa de burlar o sistema econômico dos streamings para obter lucro fácil (FutureMusic, 2024).


A imprensa e o público: um ciclo de superficialidade


A maneira como a imprensa tem coberto esse caso evidencia uma tendência preocupante: a redução de questões complexas a manchetes simplórias. Quando a inteligência artificial é tratada como culpada em vez de o verdadeiro problema ser exposto - a fraude por meio de bots -, a crítica perde o foco. Esse tipo de cobertura não só desinforma como reforça a ideia de que tecnologias avançadas são uma ameaça, em vez de ferramentas poderosas que podem ser usadas de forma construtiva.


Além disso, o público tem sua parcela de responsabilidade nesse ciclo. A busca constante por gratificação imediata, a preferência por textos curtos e o consumo de conteúdo sem análise crítica incentivam uma imprensa que se preocupa mais com a velocidade da publicação do que com a profundidade da investigação. Como alertado por estudiosos como Pierre Bourdieu, a mídia tende a moldar a percepção do público através de "fast-thinking" e da propagação de informações fáceis de consumir, mas que carecem de substância analítica (Bourdieu, 1997).


A inteligência artificial na música: uma ferramenta, não uma ameaça


O uso de IA na música não é novo, e há uma longa história de tecnologia sendo incorporada à criação artística. Desde o uso de samplers até softwares como o Ableton Live, que facilitam a criação de sons e beats, a inovação sempre foi parte da evolução da música. A IA, por sua vez, vem se somando a esse conjunto de ferramentas criativas, possibilitando novas formas de composição e experimentação sonora. Como afirmam pesquisadores como David Cope, pioneiro na música assistida por computador, a IA pode ampliar as capacidades criativas dos compositores, sem jamais substituir a essência humana do processo artístico (COPE, 2001).


Portanto, culpabilizar a IA nesse caso é perder de vista o ponto central: a fraude que ocorre quando sistemas comerciais são manipulados por interações falsas. A discussão deveria girar em torno da ética na tecnologia, não na demonização da IA como ferramenta de criação. Em vez de ver a inteligência artificial como uma ameaça à arte, é necessário entender seu verdadeiro potencial de colaboração com artistas.


O que se pode concluir com tudo isso


Como já citado, o caso, então, de Michael Smith expõe um problema claro: o uso fraudulento de bots para inflar números de streaming e coletar royalties de forma desonesta. Que isso seja escrito! Entretanto, a abordagem da imprensa em tratar a inteligência artificial como a vilã, além de equivocada, inclina-se a uma desinformação. E reflete a superficialidade com que os temas tecnológicos e artísticos são tratados hoje em dia. Em vez de culpabilizar a IA, é necessário criticar o uso de bots e a manipulação de sistemas comerciais, que são a verdadeira questão nesse caso. Esse é o crime!


E mais um ponto: a inteligência artificial tem auxiliado músicos no processo criativo há anos sem substituir o papel humano na arte. Vamos parar de ser hipócritas! Como diz o supracitado David Cope, a IA serve como uma ferramenta que amplia as possibilidades artísticas, mas jamais deve ser confundida com uma ameaça à autenticidade da música (COPE, 2001). Assim, o problema não está nas músicas geradas por IA, mas na maneira fraudulenta de usar tecnologia para distorcer o mercado.


A imprensa, ao optar por manchetes simplistas, alimenta a desinformação e desvia o foco da real questão: a fraude de manipulação de números. Esse caso deve servir como um alerta tanto para o público quanto para a mídia, de que é necessário ir além das manchetes e buscar uma compreensão mais profunda dos temas discutidos.


Referências bibliográficas


BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.


COPE, David. Virtual Music: Computer Synthesis of Musical Style. Cambridge: MIT Press, 2001.


FUTUREMUSIC. Michael Smith Charged In $10 Million Streaming Scam Using Bots To Stream AI-Generated Songs. Future Music Magazine, 2024. Disponível em: https://www.futuremusic.com. Acesso em: 09 set. 2024.


ENGADGET. Alleged fraudster got $10 million in royalties using robots to stream AI-made music. Engadget, 2024. Disponível em: https://www.engadget.com. Acesso em: 09 set. 2024.


UNITED STATES Department of Justice. North Carolina Musician Charged With Music Streaming Fraud Aided By Artificial Intelligence. 2024. Disponível em: https://www.justice.gov. Acesso em: 09 set. 2024.

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