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Por que a Inteligência Artificial nunca será humana: a verdade científica sobre a complexidade da personalidade.

A recente pesquisa conduzida por pesquisadores das Universidades de Stanford e Washington, em parceria com o Google DeepMind, afirma ser capaz de "clonar" personalidades humanas e prever comportamentos com até 85% de precisão a partir de duas horas de interação. Essa ideia, embora intrigante, levanta questões fundamentais sobre a real capacidade da inteligência artificial de replicar a complexidade da personalidade humana. Neste texto, analisaremos criticamente os pressupostos dessa pesquisa, desconstruindo suas afirmações por meio de conceitos científicos da psicologia, filosofia e sociologia. Nosso objetivo é oferecer uma visão elucidativa e embasada, que desafie as ideias de previsibilidade e replicabilidade da essência humana por máquinas, destacando a profundidade e a mutabilidade da experiência humana.


IMPORTANTE: a pesquisa conduzida por pesquisadores da Universidade de Stanford e do Google DeepMind foi publicada no arXiv. O estudo, liderado por Joon Sung Park, doutorando em ciência da computação em Stanford, explora a criação de "agentes de simulação" que replicam digitalmente comportamentos humanos com base em entrevistas de duas horas. Mas o artigo ainda não passou por revisão por pares. Para acessar o estudo completo, visite: https://arxiv.org/pdf/2411.10109


Ilustração conceitual mostrando a diferença entre a personalidade humana e a inteligência artificial. Um lado apresenta a silhueta de um humano com caminhos neurais interconectados e vibrantes, enquanto o outro lado mostra um robô com circuitos lineares. O fundo mistura padrões orgânicos com grades digitais, destacando o contraste entre a complexidade humana e a lógica mecânica da IA.
A complexidade única da personalidade humana em contraste com a linearidade previsível da inteligência artificial. Enquanto o humano é moldado por redes dinâmicas e experiências mutáveis, a IA opera em padrões estáticos

A ilusão da replicação da personalidade humana pela IA: uma crítica fundamentada


A afirmação de que a inteligência artificial (IA) pode "clonar" personalidades humanas e prever comportamentos a partir de poucas horas de interação é profundamente problemática. Embora os avanços tecnológicos sejam notáveis, eles não são suficientes para replicar a complexidade da personalidade humana. Esta crítica busca desmantelar a premissa central dessa pesquisa com base em teorias da psicologia, filosofia e sociologia, bem como em uma análise crítica de seus fundamentos metodológicos e éticos.


Para entendermos desde o começo essa crítica, precisamos definir o que é personalidade


A personalidade é definida como um conjunto dinâmico e único de características psicológicas que influenciam consistentemente os padrões de comportamento, cognição e emoção de um indivíduo.


Segundo Gordon Allport (1937), a personalidade é "a organização dinâmica dos sistemas psicofísicos no indivíduo que determinam seus ajustes únicos ao ambiente".

Essa definição destaca a mutabilidade, a interação entre biologia e ambiente, e a singularidade de cada ser humano. A complexidade da personalidade vai além de traços estáticos ou respostas previsíveis.


A personalidade humana não é fixa; ela se desenvolve e se transforma ao longo da vida.

Erik Erikson (1968), em sua teoria psicossocial, argumenta que passamos por diferentes estágios de desenvolvimento, cada um marcado por conflitos específicos que moldam nossa identidade. Além disso, fatores contextuais, culturais e históricos exercem influência significativa sobre nossas escolhas e comportamentos (BRONFENBRENNER, 1979).


Por que dizer que a IA pode replicar personalidades humanas pode ser um grande reducionismo metodológico?


Na minha visão científica, o estudo extremamente citado nas redes sociais se baseia em um reducionismo extremo ao presumir que personalidades humanas podem ser "replicadas" com base em duas horas de interação e testes como o Big Five Personality Inventory. Embora o Big Five seja uma ferramenta útil para traçar tendências gerais, ele não captura nuances contextuais, emocionais e históricas que moldam a personalidade. A replicação descrita é, na melhor das hipóteses, uma caricatura de traços superficiais.


Segundo o filósofo Thomas Nagel (1974), a experiência humana possui uma qualidade subjetiva intrínseca - o "como é ser" -, que é inacessível a sistemas computacionais.

A IA não possui consciência, intencionalidade ou a capacidade de experimentar emoções, valores e moralidade. Como pode, então, replicar algo que depende da vivência subjetiva? Não, não pode.


A personalidade é moldada pela interação com o ambiente, que inclui relações interpessoais, sistemas culturais e históricos. Pierre Bourdieu (1980) argumenta que o habitus - ou o conjunto de disposições internalizadas - não pode ser isolado de sua contextualização social. Pegue isso como exemplo, sem se importar que Pierre Bourdieu em 1980, pois os bons estudos duram em sua filosofia por séculos.


A IA, ao operar com dados pré-existentes, ignora a dinâmica contínua e imprevisível do comportamento humano.

A diversidade humana não é apenas biológica ou cultural, mas também psicológica. Seres humanos possuem a capacidade de mudar de comportamento em resposta a novas experiências, aprendizado ou crises existenciais (MASLOW, 1943). A neuroplasticidade cerebral, discutida por estudiosos como Norman Doidge (2007), demonstra que o cérebro humano pode se reconfigurar em resposta a novos estímulos e desafios. A IA, ao contrário, opera com base em padrões preexistentes e não é capaz de improvisar além do que foi programada para reconhecer.


Se aprofundarmos para além da técnica, podemos falar de problemas éticos e epistemológicos


O estudo citado levanta sérias preocupações éticas. A coleta de dados pessoais e comportamentais para "replicação" de personalidade infringe princípios fundamentais de privacidade e consentimento. Shoshana Zuboff (2019), em The Age of Surveillance Capitalism, alerta para os perigos da exploração de dados pessoais como forma de controle social e econômico.


Incrivelmente, quem já alertava sobre a imprevisibilidade das ações humanas era Aristóteles. Em "Ética a Nicômaco", ele afirma que a deliberação e a decisão moral dependem da phronesis (prudência), uma capacidade humana de avaliar situações únicas e agir de acordo com as circunstâncias. Essa ideia reflete como o comportamento humano não pode ser reduzido a padrões fixos, pois cada decisão é influenciada pelo contexto e pela experiência. Assim, a tentativa de prever 85% dos comportamentos ignora a própria complexidade do livre-arbítrio e da improvisação que Aristóteles já reconhecia como fundamentais à natureza humana. Por isso, posso completar dizendo que a ideia de que a IA pode prever 85% dos comportamentos humanos é profundamente enganosa. Primeiro, ela ignora o contexto situacional, que muitas vezes determina ações humanas. Segundo, ela assume que os seres humanos são previsíveis em um nível que contradiz a própria natureza do livre-arbítrio e da improvisação.

No final das contas, estamos falando de caricaturas, não clones


A "réplica" criada pelo experimento não é um clone, mas uma simplificação baseada em padrões de linguagem e dados estatísticos.

Não há evidência de que essa IA possa incorporar os conflitos internos, dilemas morais ou mudanças de longo prazo que definem a personalidade humana.


Embora simulações sejam úteis em certos contextos, usá-las como substitutos para experimentos reais em economia, sociologia ou ciência política é metodologicamente falho. A interação humana real, marcada por ambiguidade, improvisação e resistência, não pode ser simulada de maneira confiável.


A criação de "réplicas" levanta preocupações sobre autenticidade e manipulação. Avatares baseados em IA podem ser usados para criar desinformação ou distorcer percepções, o que ameaça a confiança social e individual.


A afirmação de que a IA pode "clonar" personalidades humanas é uma simplificação perigosa e enganosa.

A personalidade humana é resultado de interações complexas entre biologia, cultura, história e contexto. Reduzi-la a um conjunto de dados ou padrões previsíveis é desconsiderar a essência do que significa ser humano.


O estudo citado, embora interessante como prova de conceito, está longe de cumprir a promessa de replicar personalidades. Em vez disso, ele expõe os limites de um modelo reducionista que ignora a subjetividade, a mutabilidade e a profundidade da experiência humana. Antes de nos entregarmos a ideias de "revolução" nas ciências sociais, precisamos reconhecer que a verdadeira complexidade humana continua sendo um enigma além do alcance das máquinas.


Referências Bibliográficas


ALLPORT, Gordon. Personality: A psychological interpretation. New York: Holt, 1937.


BRONFENBRENNER, Urie. The Ecology of Human Development: Experiments by Nature and Design. Cambridge: Harvard University Press, 1979.


ERIKSON, Erik. Identity, Youth, and Crisis. New York: Norton, 1968.


NAGEL, Thomas. What is it like to be a bat? The Philosophical Review, v. 83, n. 4, 1974.


ZUBOFF, Shoshana. The Age of Surveillance Capitalism. New York: PublicAffairs, 2019.


MASLOW, Abraham. A Theory of Human Motivation. Psychological Review, v. 50, n. 4, 1943.


BOURDIEU, Pierre. The Logic of Practice. Stanford: Stanford University Press, 1990.

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